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Caetano Veloso estaciona no Leblon

Atualizado: 5 de mar. de 2023

Eu ando. E andando nada aprendo, porque andar é uma ação das pernas apenas. O cérebro cochila, entorpecido, pois, enquanto ando, ouço música. Pop, trilha de cinema, batidão de balada, samba. Penso que isso compassa o ritmo da caminhada.


Andar ouvindo as velhas dos Black Eyed Peas é do que estou falando. Cada tum, um passo. Em uma hora e meia, 10km ficaram pra trás. E enquanto ando, num lapso de bocejo cerebral, penso na vida que não anda boa. Se para alguns, a vida anda capenga por conta de muita coisa para fazer, pra mim ela anda ruim justamente pelo contrário: é o ócio. Desempregado há 2 anos, depressivo há pelo menos 7, desde que um cachorro meu morreu. Penso em muita coisa, a cabeça vazia fabricando precipícios. Uma hora a gente esbarra e cai num, não tem jeito. Grito comigo mesmo de madrugada — em pensamento, claro. Minha mãe dorme no quarto do lado. É um ponto a mais que me desmonta: nem gritar dentro de casa eu posso! Engasgo o grito, grito pensando, pra não fazer barulhada às 3 da manhã. Digo que vou matar, que queria estar sozinho, que isso e aquilo, assado e cozido. Assim, afasto meus monstros um pouco, mas claro que eles são persistentes. Não ficam longe de carniça. Grito essas raivas entaladas, enlatadas, coisas que eu não sei dizer baixinho, por exemplo, ponderando, com autoridade, numa conversa organizada. Só sei dizer pra mim mesmo, não aprendi fazer os outros ouvirem ainda.


Então, sempre que posso — ou sempre que quero, depende —, caminho. Não raro, depois da caminhada e da música, me pego transitando cheio de perguntas pelo meu futuro, o que é mais saudável que gritar diante de precipícios. E nesses futuros, antevejo uma vida no litoral, uma faculdade pra pendurar na parede, talvez um mestrado, um cachorro e horas no trânsito. O que eu considero sucesso e felicidade. É isso o que antevejo. Como vou conseguir isso é no que a minha mente se desdobra em desvendar. Quando não está gritando. Mas o fato é que me antevejo sozinho. Ponto.


Quando penso em sucesso, em felicidade e em um futuro saído, seja lá como for, das minhas mãos, não cabe mais ninguém nele. Nem minha mãe, nem namorado, nem nada assim. Só eu. Sou exíguo — sempre fui. Não sei ser espaçoso, sempre coube bem em armários. Extrovertido só por profissão e despretensioso nas questões do amor, embora não saiba bem o porquê. Existe gente desencantada nisso por já ser macaca velha nesses buracos, ter o coração calejado de rasgos. Eu, não. Sou inexperiente. Se já fui pra cama com três, é muito. Mas tenho muita preguiça é do processo. Conhecer, se acostumar, se importar. Caminho muito custoso. Por isso, não abro vagas e, no meu futuro, só caibo eu. Só eu me entendo e estou disposto a gritar em silêncio. Quem mais faria uma coisa dessas? Alguém pelo mundo, é verdade. Mas o mundo é tão grande. Eu não tenho vocação para garimpeiro e acho que nem todo tempo do mundo. Renato Russo sempre esteve errado: Pitty é que era a certa da questão. Me parece que os errados são sempre mais conhecidos, mais divulgados.


Penso na maioria dessas coisas de cu pregado num banco de canteiro de avenida depois da caminhada. Tiro os fones e penso muito. Ser jornalista não vai ser moleza e eu não vou ter todo o dinheiro de que vou precisar. Ao contrário, vou ter que cobrir, reportar, escrever cada tipo de coisa... Caetano Veloso estaciona carro no Leblon é ficha. Gente estaciona lá o tempo todo, mas essa gente nunca é o Caetano Veloso, né? Entendo de boa quem escreveu a nota. Qualquer coisa de pauta só pra fechar o dia sem levar esporro de chefe. Eita, mundão que me aguarda. Mundinho.


Mas depois sempre levanto, boto os fones e volto a andar.

 

Julian de Sousa é acadêmico da 5ª fase de jornalismo da Unemat tangararense.

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