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A vida e as superações de Núbia Alexandre


Núbia Alexandre: uma mulher de sonhos, garra e coragem. Foto: Thays Alexandre.

CAMPO NOVO — Núbia da Silva Alexandre, 44 anos, nasceu em Branquinha, a 66 km de Maceió, no estado de Alagoas. De uma família humilde, veio para Mato Grosso tentar uma vida melhor para seus dois filhos: Caio da Silva Alves, hoje com 23 anos, e Thays Regina da Silva Alexandre, com 16. Caio é fruto do primeiro casamento, marcado por tentativas de agressão do ex-companheiro que, inconformado com a separação, vivia ameaçando a família de Núbia, inclusive, de morte. Com muito medo, ela separou-se dele depois de sete anos de casamento.


Tatá, como é chamada a filha mais nova, Thays, é do segundo casamento, que não durou muito também em razão das ameaças do antigo companheiro. Ele a abandonou ainda grávida da menina; o filho Caio, do primeiro casamento, tinha apenas sete anos. Quando Tatá afinal nasceu, Núbia recebeu o convite de um primo — José Fábio Vicente, de 47 anos — para vir a Campo Novo do Parecis cuidar de suas quatro crianças. Desempregada e com pouca oportunidade de trabalho em Alagoas, além das duas crianças pequenas para cuidar, Núbia não pensou muito e decidiu encarar a vida longe dos pais e, principalmente, dos filhos.


Assim, se viu num impasse: como deixaria Thays, então com sete meses, que ainda amamentava sem sua presença? Foi sua irmã, Naderly Silva Ferreira, de 36 anos, que também tinha dado a luz há pouco, quem se ofereceu para amamentar a sobrinha na ausência da mãe. Resolvida essa questão, Núbia deixou os dois filhos com os avós — Maria do Socorro da Silva Alexandre e José Amâncio Alexandre, ambos com 64 anos — e embarcou num ônibus com destino ao Mato Grosso, em 2007, com apenas quinze reais no bolso. Chegando em Campo Novo do Parecis, foi para a casa do primo onde ficou por dois meses. Um ano depois, decidiu trazer os filhos para ficarem juntos de novo. Conseguiu um emprego num restaurante da cidade onde trabalhou por seis anos de carteira assinada, até decidir abrir seu próprio restaurante.


No começo, em casa, com as próprias panelas, uma mesa e quatro cadeiras, começou o empreendimento. O negócio fluiu, começaram a vir mais clientes, e foi nesse momento que ela viu que deveria aumentar seu comércio. Alugou um ponto comercial na Avenida Amapá, número 743, do Jardim das Palmeiras. Saiu da casa do primo e mudou-se para lá em 2014, batizando o restaurante de “Toca da Onça”. No início de 2020, com a pandemia, acabou precisando dispensar quatro das oito funcionárias contratada. Núbia pensou em desistir, mas graças à ajuda dos familiares, não fechou as portas do restaurante.


 

Você disse que seu esposo era possessivo e fez ameaças contra você e sua família. Me conte mais sobre essa história e como foi lidar com tudo isso.


Eu fiquei casada com ele por sete anos, mas era uma vida bem conturbada por ameaças, e outras coisas. Então, foi aí que tomei coragem e me separei. O Caio, meu filho com ele, tinha quatro anos na época da separação. Quando eu decidi separar, na minha cabeça, eu iria viver a vida, só que foi ao contrário. Ele me perseguia, ameaçava meus pais de morte, e, nisso, fiquei três anos sem me envolver com ninguém, porque todo mundo que tentava se aproximar ele ameaçava. Teve uma hora que me cansei e decidi me relacionar com alguém novamente depois de três anos.


Nesse novo relacionamento, como foi lidar com seu ex-marido, já que ele era muito possessivo?


Então, esse relacionamento foi mais ou menos. Meu ex não deixava a gente em paz, e ele não suportou muito tempo as ameaças e acabou me largando grávida da Thays. Eu estava com sete meses, e ele foi embora não sei para onde e não deu notícias. Então, não coloquei o nome dele no registro da menina. Ela é registrada como “mãe solteira”.


Depois de ser abandonada grávida, como você conseguiu tocar a vida? Teve apoio da família?


Tive total apoio da família. Morava com meus pais, só que as ameaças não pararam. Nesse curto tempo, perdi meu emprego na Saúde, onde trabalhava (em Branquinhas). As coisas começaram a dificultar. Eu, grávida e com uma criança de sete anos, tinha que fazer alguma coisa. Foi aí que recebi uma proposta do meu primo, que já morava em Campo Novo do Parecis, para cuidar das crianças dele. Eu sabia que só indo embora para longe iriam parar as ameaças, então tomei a decisão de ir e foi o que aconteceu. Ele não teve mais contato comigo e, finalmente, me deixou em paz.


Quando eu decidi separar, na minha cabeça, eu iria viver a vida, só que foi ao contrário.

Conte sobre como conseguiu lidar com tudo isso? Como foi para você, mãe solteira, receber ameaças em cima de ameaças, com uma criança de colo que amamentava, vulnerável a toda essa situação?


Foi complicadíssimo tomar essa decisão. Minha irmã tinha acabado de dar à luz e ela se prontificou a amamentar a Thays, então conversei com meus pais sobre a decisão de ir para outro estado, e que a Naderly iria amamentar meu bebê. Deixei os dois com meus pais e falei que depois de um ano eu voltaria para buscar meus filhos, e deixei bem claro para eles: “Não estou dando eles para vocês, é apenas pelo período de um ano”. Era o tempo de me organizar lá, arrumar um emprego, alugar uma casa e viver com eles. E foi isso o que fiz. Como prometido, depois do tempo estabelecido que falei, fui lá buscar meus dois amores. Aluguei um apartamentinho, trabalhava o dia todo, e deixava o Caio, com dez anos, cuidando da irmãzinha, que tinha um ano e sete meses.


Quais foram as maiores dificuldades em sair do interior de Alagoas para outro estado?


Principalmente a cultura que é totalmente diferente, a culinária, o jeito que se fala, se veste também, então tudo isso foi muito difícil no começo. Você chegar em um estado que não conhece quase ninguém, é muito difícil. Além da falta dos meus filhos que ficaram com meus pais, e sem contar que cheguei aqui com apenas quinze reais no bolso, que foi minha avó que deu. Imagina você chegar em algum lugar que não conhece nada, e sem dinheiro? Foi meu caso, dependendo do meu primo, chegando na casa dele, dormi no chão. Nem cama tinha para mim.


Nesse período você conseguiu arrumar um emprego no restaurante da cidade. Antes, em Alagoas, trabalhava na área da saúde, totalmente diferente do ramo gastronômico. Como foi essa experiência de trabalhar em uma função que você não fazia em Alagoas?


Eu sempre gostei de cozinhar. Trabalhei nesse restaurante por seis anos, e foi muito bom esse período que passei lá. Foi onde decidi abrir meu negócio com o dinheiro do acerto, e algumas economias que vinha guardando nesses anos, que passei trabalhando de carteira assinada. Algumas pessoas me chamaram de louca por sair do emprego que estava bem, e me aventurar no ramo gastronômico. Eu sempre tive força de vontade e coragem para trabalhar, e nunca liguei muito para as opiniões dos outros. Comecei em casa mesmo, com minhas panelas e um jogo de mesa. Quando dei por vista, estava muito pequeno e tive que alugar outro ponto maior, e contratar mais pessoas. Antes da pandemia, eu tinha oito funcionárias, estava bem financeiramente, tudo finalmente dando certo na minha vida.


A “Toca da onça”, hoje, conta com espaço para mais de 15 de mesas. Foto: Arlânio Freitas.

Na pandemia, o mundo inteiro sofreu. Imagino eu que, com você, não foi diferente. Uma doença nova que o mundo inteiro não conhecia, e estava todo mundo sem saber como seria o futuro. Como foi superar essa fase?


A pandemia veio para destruir tudo aquilo que eu estava conquistando com suor, luta e força de vontade. Eu estava financeiramente muito bem, no meu melhor momento e, do nada, essa doença chega e derruba tudo. Quase quebrei, porque não podia abrir meu restaurante. Tinha pouquíssimos clientes que nos procuravam. Fiquei desesperada, me sentia uma “onça enjaulada” sem saber para onde ir, e as contas não paravam de chegar. Tinha funcionários para pagar, até chegar a um certo ponto que não consegui suportar tantas contas e tive que começar a demitir meus funcionários, enxugar as contas. Quase volto à estaca zero. Tive muita ajuda de pessoas maravilhosas que Deus colocou em minha vida, que sempre estiveram ao meu lado, nunca deixando eu desistir. Sou imensamente grata a minha família. Passado esse surto, voltei a atender presencialmente. Não está como era antes, perdi muitos clientes, mas ainda tenho alguns clientes fiéis de quando atendia em casa todos os dias. Eles vêm pegar suas marmitas para irem almoçar em suas residências.


Morava com meus pais, só que as ameaças não pararam.

Nessa sua correria do dia a dia, sobra algum tempinho para você sair à noite? Falo no sentido de apreciar um pouco, tentar esquecer os problemas do restaurante. Seus dois filhos te apoiam nesse sentido?


Sou independente, maior de idade, e meus filhos não me impedem de fazer nada. Se me der vontade, irei fazer. Eles me incentivam para sair um pouco, aproveitar mais a vida. Eu sou muito caseira. O pessoal aqui em casa, às vezes, sai para curtir um pouco, me chamam, mas prefiro ficar. Eles até comentam que eu sou antissocial, é do trabalho para o mercado, do mercado para casa. Não gosto muito de sair, prefiro ficar na minha casinha. Eles não são um empecilho para a minha falta de vontade de sair.


Atualmente, a equipe da “Toca da onça” conta com cinco integrantes: da esquerda para a direita, em pé, estão Núbia, Naderly e Thaina; abaixadas, Thays e Heloiza. Foto: Arlânio Freitas.

Para finalizarmos o seu relato de vida, que mensagem você deixa para as mulheres que vão ler esta entrevista?


O que eu posso falar? Mulheres, nunca abaixem a cabeça para homem nenhum! Não deixem que eles queiram ser superiores em tudo. Temos totais condições de sermos melhores naquilo que escolhermos. Que tenhamos mais amor-próprio! Que possamos ter a liberdade de ir e vir! Isso é o básico que merecemos! Uma mulher empoderada é uma mulher realizada. Não ao machismo! Não às agressões tanto físicas, como psicológicas!

 

Entrevista conduzida por Arlânio da Silva Freitas, acadêmico da 4ª fase de jornalismo na Unemat tangaraense, para a disciplina de Redação e Apuração Jornalística I, ministrada por Gibran Lachowski.

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