top of page

"Consegui ter uma visão do que eu estava fazendo com a minha vida", reflete ex-dependente químico

Atualizado: 13 de jul. de 2023


Foto: Rosane Sabala. Cáceres-MT.

TANGARÁ — Aos 61 anos, Luciano Artioli consegue descrever os momentos mais difíceis da sua vida sem arrependimentos. Ele que abusou das drogas, foi preso, contraiu hepatite devido ao compartilhamento de seringas, hoje conseguiu reestruturar sua vida e sua família. Nascido no estado do Paraná, foi em Mato Grosso que viveu os períodos mais turbulentos da sua existência. Agora, ele nos conta como seu apego em Deus transformou o que poderia ter sido uma existência breve em um belo caminho de resiliência e amor.

 

Conte a sua história. Como foi a sua vida? Como se envolveu com as drogas? Como parou? Como contraiu hepatite e como curou?


Irei tentar fazer um resumo de como aconteceram as coisas comigo, tá? A falta do meu pai... eu sou o caçula de 3 filhos e 2 irmãs mais velhas. E sem a presença do pai, então eu fiquei meio sem referência. Quando meu pai faleceu, a família estava morando em Maringá, no Paraná. Aí minha mãe retornou e levou minhas irmãs e eu para a fazenda da minha avó, com o padrasto dela. A gente ficou por um período lá. Ela primeiro buscou a Marta, depois buscou a Ana e por último eu. Já vim com 8 anos, alfabetizado. Estava no segundo ano estudando na fazenda. Gostava demais, né? Da fazenda e do cuidado que a minha avó tinha comigo, ela que realmente cuidou de mim. Me deu educação e carinho. Me deu tanta atenção que voltava todo final de semana e nas férias. Eu estava na fazenda de volta.


Como se envolveu com as drogas?


A primeira aproximação que eu tive com as drogas foi com a Loris e com o Seu Zé Jorge, né? A Loris é irmã da minha mãe, tem a mesma idade que eu. O Seu Zé Jorge morava na fazenda, né? O irmão da Loris por parte de pai, tinha o Zé Jorge. Ela e o irmão já gostavam de usar a maconha. Pegavam cogumelos na fazenda. É uma droga bem natural, mas é muito forte. Ela dá umas 8 a 10 horas de barato. Deixa bem fora do ar. O problema da maconha é que ela abre o campo para as outras drogas. Então você fica mais vulnerável, né? E aí a galera de Votuporanga tomando glucoenergan, tomando muita coisa na veia.


Sem a presença do pai, eu fiquei meio sem referência.

Como contraiu a hepatite?


Eu me acostumei a tomar muita droga na veia também. Daí que eu acho que vem a Hepatite C. No compartilhar a seringa, né?


Esse envolvimento com entorpecentes te levou à cadeia. Como foi preso?


Vindo para Cáceres. Dirigindo para um amigo. Ele tinha que comprar a droga e eu, com a curiosidade de conhecer a droga da Bolívia. Cocaína boa. Acabei vindo, né? Cheguei na casa deles num dia, no outro fomos buscar droga em San Matias. Na volta, tinha uma Barreira da Polícia Federal. Na estrada, num ponto de uma ponte do Rio Padre Inácio. Ali não tinha por onde passar, é bem alagado. Então acabamos sendo presos. Eu estava com 21 anos. Fui condenado a 6 anos e 8 meses de prisão.


Como foi depois desse período?


Depois conseguimos anular esse julgamento e eu consegui que o promotor me colocasse num trabalho de uma empresa de um amigo dele. Eu trazia bebida aqui em Tangará da Serra para a festa da igreja, era tudo terra. Não tinha nem asfalto aqui na cidade.


Quais foram os momentos mais difíceis que teve enquanto usava entorpecentes?


Eu passei períodos de muito excesso de droga. Ficava com muita marca no braço de injetar, e aí usava manga comprida. Perdia peso. Não dormia. Foi uma loucura por muitos anos. Sem ter o controle da vida. A droga estava controlando tudo. A droga, o ilícito. O álcool, lícito. Era uma dependência cruzada. Nesse período, tive meu filho. Sem responsabilidade, sem controle.


Como começou a mudança em sua vida?


Minha mãe não me deu educação religiosa. Acho que viveu isso. Na minha ida para o Mato Grosso do Sul, fiz uma amizade muito grande com um vizinho. Eu tinha sorveteria e ele, um mercado ao lado. E ele acabou indo para a igreja e eu, por essa ida dele, comecei a ir também. Mas não era, ainda não tinha um encontro verdadeiro com Deus, ia para a igreja, mas não conseguia deixar o álcool. Não conseguia deixar de adorar droga. Até que Deus fez a obra na minha vida. Me abençoou. não precisei ser internado. Deixei de beber, deixei de fumar e deixei de usar droga no momento em que Deus tocou a minha vida. De tal maneira que eu consegui ter uma visão do que eu estava fazendo com a minha vida.


Deixei de beber, de fumar e de usar droga no momento em que Deus tocou a minha vida.

Qual o período que usou drogas e quanto tempo faz que já está limpo?


Foram 23 anos de dependência ativa e, agora, eu já tenho um tempo maior, limpo. Em maio (de 2023), eu completei 25 anos limpo. Dava alguns depoimentos no AA (Alcoólicos Anônimos). Tinha gente tentando deixar de usar droga indo com a gente acompanhando. Conseguimos colocar uma sala do AA em Cáceres e viajei para Cuiabá para conhecer com alguns companheiros. Aí colocamos a sala do NA (Narcóticos Anônimos) em Cáceres. É o mesmo trabalho. A diferença é que as pessoas chegam com mais idade no AA, mais inteiros. No NA, no narcótico, a galera que chega é mais nova e já toda arrebentada. O estrago é bem maior. A linguagem é diferente. A galera mais nova é outra, então muitos não se identificavam com AA. Quando eu vim para Tangará, acabou que a galera não segurou a onda lá e deixou a sala terminar. Sempre fiz trabalho de formiguinha. Tentando devolver um pouco do que a gente recebeu. Trazendo as pessoas para a internação, fazendo enxoval, ajudando com as pessoas próximas da gente. Não é muito fácil. Se você olhar para as estatísticas, são 3% de pessoas que conseguem sair da droga e sair do álcool. É um índice muito pequeno.


Luciano no Hospital Julio Muller, em Cuiabá-MT. Foto: Edna Artioli.

Voltando a falar sobre a hepatite, como foi o processo de tratamento?


Aqui em Tangará, eu logo fui me apresentar no CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) por ter a hepatite C. Fazia os exames e acompanhamentos. Não tinha infectologista na cidade de Cáceres. Fazia o acompanhamento por Cuiabá. Já tinha feito umas 2 biópsias para acompanhar como é que estava a inflamação, como é que estava a fibrose. Durante o tratamento fui presenteado por Deus, né? O médico me falou: "Você não quer tentar um medicamento?" Falei: "O senhor está me oferecendo? Eu quero, né?" Fizemos todos os exames novamente. Quantitativo, qualitativo. Uma bateria de exames. Mandamos e eu fui contemplado. Duas pessoas em Tangará foram contempladas com o tratamento. Um tratamento de alto custo. Fui 3 vezes a Cuiabá para pegar os medicamentos. Aí tomei os medicamentos. Até então, não tinha esse medicamento para hepatite. Foi lançado nesse período recente, há uns 5 anos. E aí tive alta. Foi mais um presente de Deus na minha vida. A cura da hepatite C. E hoje a gente vê tudo de uma outra maneira. É o quanto Deus cuida da gente.


Atualmente, você é envolvido com um trabalho muito especial. Quero saber um pouco a respeito do seu trabalho com as crianças da casa da criança. O senhor pode falar um pouquinho mais com relação a isso?


Consegui muita coisa para eles lá. Por exemplo, uma vez por semana eu ia com um balde de sorvete da sorveteria quando tinha algum evento. Conseguia salgado, consegui padrinhos para eles. Corri atrás e consegui levar eles também no Sesi, uma vez por semana. Aí os padrinhos, pagavam as roupinhas e a toalha. As menininhas, os maiorzinhos, menininhos, sunga e as toalhinhas. Chinelo para ir ao exame de saúde para poder estar entrando na piscina. Fazia uma vez no mês, churrasco com amigos e servia às crianças. Nós fizemos muita coisa, fizemos um grande movimento. Eu nunca dei conta sozinho, só hora que Deus agarrou na minha mão e me tirou lá de baixo e trouxe para cima aqui que eu consegui fazer alguma coisa.

 

Entrevista conduzida por Lescar Victor Artioli, acadêmico da 4ª fase de jornalismo na Unemat tangaraense, para a disciplina de Redação e Apuração Jornalística I, ministrada por Gibran Lachowski.

26 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Комментарии

Оценка: 0 из 5 звезд.
Еще нет оценок

Добавить рейтинг
bottom of page