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A dor e a delícia de quem escolhe o campo como lar

Para Josonias Lopes da Silva, 45 anos, o dia começa bem cedo. Às 05h, o capataz já está de pé para lidar com a rotina de manejo do gado de corte na fazenda Santa Fé, a 35 km de Barra do Bugres, onde trabalha desde 2021. Para ele, o trabalho na pecuária é uma questão de escolha. “Eu gosto dos animais, né?”, confessa. “Eu trabalho, desde que eu comecei, com animais. Trabalhei um pouco de derrubada de mato, trabalhei de operador de trator, mas não gosto disso. Eu gosto mesmo é da pecuária, de boi.”

A família se reúne às margens do Rio Paraguai, próximo da fazenda Santa Fé. Foto: arquivo pessoal.

Cuiabano nascido em 1977, Josonias foi embora para Rondônia ainda com 5 anos de idade, tendo crescido nos sítios do pai e fazendas onde posteriormente trabalhou como vaqueiro. Mesmo quando retornou ao Mato Grosso, em 2009, já com 32 anos, sabia que não ficaria em Tangará da Serra, cidade onde enterrou a mãe, Jurema Lopes da Silva, em 2016, e, mais tarde, o pai, Jonatas Lopes da Silva, em 2022.


Muito embora descenda de família pioneira do município — Jurema é filha de Iodolino Vieira Bazete e D. Julia Leopoldina Bazete, parteira conhecida dos mais antigos e nome por trás do bairro batizado em sua homenagem —, para Josonias, a cidade nunca foi familiar ao homem criado no mato desde menino. “Eu acredito que é uma dificuldade em se adaptar à correria da cidade. Eu prefiro, às vezes, mexer com mil animais do que mexer com dez, doze peões, que dão mais trabalho”, reflete.


Sua esposa, Quele Moraes da Cruz, de 34 anos, o acompanha nesse atual emprego desde julho de 2022. Não é a primeira vez que ela troca a cidade pelo campo para estar junto do marido, no entanto. Casados há 14 anos e pais de Ruan Nicolas Moraes da Silva, de 13, ela conta que também nasceu e cresceu na zona rural de Candeias do Jamari, município do norte rondoniense.


Quando perguntada sobre a dificuldade que mais enfrenta por morar no campo, ela relata que a grande distância de tudo é a principal. Para ela, ter um carro como meio de locomoção é vital, uma vez que dependeria de caronas e favores. Além disso, conta que a cidade mais próxima da fazenda — Barra do Bugres — tem mercado careiro para abastecer a despensa da família, o que a obriga a percorrer mais de 110 km até Tangará da Serra uma vez no mês para isso.


“Eu prefiro mexer com mil animais do que mexer com dez peões.”

Perguntada sobre como se informa das notícias, Quele ressalta: redes sociais e rádio. “Para estar sabendo das coisas, do mundo aí fora, tudo eu acompanho pelas redes sociais porque aqui não pega TV local. A gente também tem um radinho que já é rotina da gente acordar 5h20, 5h30, e ligar ele para ficar por dentro das notícias.”


A saúde também é uma preocupação. Quando a família precisa, o socorro mais próximo vem da vila Currupira, distante 15 km da fazenda onde moram, pois há médico quinzenalmente no posto de saúde local. Da mesma forma, ela ressalta que o filho vai à escola em Barra do Bugres regularmente, uma vez que o ônibus passa na porteira de casa duas vezes ao dia, embora, agora, ele fique privado das atividades que realizava quando morava em Tangará, como aulas de judô.


E ao passo que considera o isolamento do campo uma desvantagem pela distância de tudo, também o exalta como a grande qualidade de morar nele. “É bom, é um lugar tranquilo, e a gente tem esse prazer de estar no afeto em família, poder almoçar e jantar junto, estar os finais de semana juntos. Na cidade, não teria esses privilégios.” A criação do filho no campo é outra vantagem em relação à cidade, segundo ela. “Ficam mais isolados desses riscos da cidade.”

Quele reflete sobre a criação do filho, Ruan (acima): “Ficam mais isolados desses riscos da cidade.” Foto: arquivo pessoal.

O marido concorda. Para ele, o campo é sinônimo de paz. “Eu não sou uma pessoa de festa, de barulho. Não gosto. Mas a pior parte que eu acho é que a nossa profissão é quase desvalorizada. Somos quem empurra o boi para frente, leva até o caminhão para embarcar, mas acho que somos um pouco desvalorizados.”


Ele afasta a ideia de baixo salário para a categoria. Segundo conta, a dificuldade gira mesmo em torno da jornada e das condições de trabalho. Na sua experiência de mais de 30 anos trabalhando no campo, reflete que não ter hora para sair nem para chegar, sob qualquer condição climática, somando a isso o descrédito que, muita vez, acompanha a profissão é desanimador. “Se você chega cedo, reparam. Se chega tarde, não reparam. Não valorizam o que você faz, tudo o que você faz ainda é pouco”, desabafa.


Quando questionado se, apesar disso, trocaria o campo pela cidade hoje, Josonias ri um pouco antes de enfatizar que não. “Nosso serviço é um serviço pesado, você trabalha fora de hora, de sol a sol, embaixo de chuva. É serviço bruto, você vai cansando. Mas eu não trocaria, não. Eu gosto do que eu faço.” Apesar do orgulho, o capataz reconhece que o corpo não vai suportar o trabalho que o campo exige, e prevê o retorno futuro à cidade. “Daqui uns dois anos, acredito que [volto a Tangará] sim, que eu não vou estar mais aguentando essa rotina minha. Mas não é nem por desejo. É por não aguentar mesmo.”


E nessa toada, como questiona o verso da música eternizada por Chitãozinho e Xororó — De que me adianta viver na cidade se a felicidade não me acompanhar? —, Josonias, a mulher, Quele, e o único filho, Ruan, seguem escolhendo os passos da felicidade que, se reside em algum lugar, não é entre os prédios e os semáforos da cidade.

Vista para o Rio Paraguai. Foto: arquivo pessoal.
 

Reportagem escrita por Julian de Sousa, acadêmico da 5ª fase de jornalismo da Unemat tangaraense, para a disciplina de Jornalismo Rural e Comunitário, ministrada pelo Prof. Rafael Gomes.

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